Tuesday 18 August 2009

As (verdadeiras) catacumbas de Paris


Após quase 3 anos de espera, e um ano depois de ter visitado as catacumbas para turistas, o meu amigo Nicolas levou-me a visitar as verdadeiras catacumbas de Paris. Com dezenas de kilómetros subterrâneos, não são de nada aconselháveis a pessoas claustrofóbicas, ou com medo do escuro!
Equipados com 3 lanternas cada (o seguro morreu de velho), e com roupa para sujar, saímos de casa à volta do meio-dia.

Visitar as catacumbas é, infelizmente, ilegal. Para se chegar a uma das poucas entradas, tem que se seguir as antigas linhas de comboio da petite ceinture de Paris, a antiga linha-de-ferro que dava a volta a Paris, antes de ter sido construido o périphérique e as linhas de metro que hoje cortam a cidade de alto a baixo e de lado a lado.

Escolhemos um dia de semana, ao meio-dia, exatamente para evitar contacto com outros cataphiles, o termo dado a exploradores ilegais das catas. Após uns bons 20 minutos a fazer de comboio, e atravessando alguns antigos túneis, chegámos finalmente à entrada. Entrada lhe chamaremos: um buraco na parede, junto ao chão, no meio de um túnel escuro; quem não saiba o que está a procurar, nunca poderia encontrar!:


Os primeiros túneis deixam logo antever o resto da visita: não existe luz nenhuma, é preciso andar curvado a maior parte do tempo, alguns túneis têm água até à cintura... (isto apesar de termos escolhido um dia de Agosto, depois de dias sem fim de sol - muitas vezes os túneis ficam demasiado inundados para se poderem atravessar).



Os corredores serviram vários fins ao longo dos séculos. Em algumas partes, por exemplo, ainda se podem ver os acumuladores antigos da EDF, quando a distribução de eletricidade se fazia através de grossos cabos em cobre (reza a lenda que, quando estes foram substituídos, máfias da Europa de Leste vieram roubar o cobre, até que a direção da IGC (Inspection Générale des Carrières) se decidiu a retirá-lo completamente).


Tendo muitos deste túneis vários séculos de existência, poder-se-ia pensar que a navigação com um mapa decente, apesar do escuro, seria relativamente fácil. Muito pelo contrário - a IGC corta frequentemente acesso a várias zonas (por diversas razões - segurança, vandalismo, obras), e os cataphiles em resposta abrem as chamadas chatières (portas de gato) para passar de um túnel a outro. Resultado, várias vezes por ano novas versões dos mapas dos cataphiles aparecem pela internet (nós estávamos equipados com uma versão com 12 meses, e apanhámos algumas surpresas).


De vez em quando, alguns dos túneis dão acesso a salas (grandes ou pequenas), que os cataphiles aproveitaram para decorar. Por exemplo, Le Chateau:


La plage, uma enorme sala (aliás, várias salas ligadas entre si), onde são feitas muitas das festas noturnas:






Alguns dos graffitis são espantosos, verdadeiras obras de arte:




Algumas históricas Haute Écoles de Paris têm uma relação priveligiada com as catacumbas. Por exemplo, existem entradas diretas dessas escolas! Todos os anos, os alunos do primeiro ano de uma delas fazem uma excursão, para virem pintar um mural. Existem dezenas de murais, um por ano; gostei muito do de 1995:


A sala Zlard tem uma pintura espantosa, uma das minhas favoritas!:




Tudo isto 20m por baixo de Paris. Aliás, muitas das passagens eram autênticamente claustrofóbicas - muitas delas só davam para passar com a cabeça e os pés de lado, a arrastar, empurrando a (pequena!) mochila - principalmente para atravessar as famosas chatières:







Mais ou menos a meio da nossa excursão, encontrámos um cataphile. Encontros na escuridão das catacumbas, sem rede telefónica, sem polícia para chamar... nunca se sabe. Mas este era muito porreiro, e como conhecia as catacumbas como a palma da mão, levou-nos a visitar alguns sítios que nem o meu amigo conhecia. A sala mais incrível que fomos ver está extremamente bem conservada, por uma boa razão: têm-se que atravessar 7 chatières enormes, com Paris literalmente às costas, com bifurcações onde se pode muito facilmente perder... Mas valeu a pena:





Mas o meu lugar preferido, de longe, foi o bunker Alemão - sim, durante a Segunda Guerra Mundial, as catacumbas foram usadas pelos Alemães, que lá construiram um bunker, pela resistência, que aproveitou partes dos túneis para se deslocar, e pela população, que usou algumas salas para refúgios contra ataques aéreos.
O bunker está muito mal conservado, mas ainda é possível observar alguns vestígios da passagem Alemã, como as portas blindadas, as setas de indicação das três saídas, a sanita metálica da casa-de-banho, ou mesmo alguns restos de instalações elétricas:






Tal como a entrada não é fácil, a saída também não. Como tinhamos avançado bastante, tentámos encontrar algumas bocas de esgoto que estivessem abertas, mas não encontrámos nenhuma (e tivémos que fazer o caminho todo de volta para a entrada inicial). Mas subir pelas bocas de esgoto acima e ver as pessoas a passear em Paris foi uma experiência bastante interessante!:



E pronto, conseguimos finalmente sair, completamente cobertos de sujidade, 9h30 depois de termos entrado! Uma experiência muito interessante, que adorei. Mais uma das (muitas) coisas que se podem fazer em Paris, e que tive o privilégio de poder experimentar. Muitas saudades vou ter desta cidade...